Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó




"Minha Poesia não usa vestes para se camuflar, é livre e nua" (Arnoldo Pimentel)

"Censurar ninguém se atreverá, meu canto já nasceu livre" (Sérgio Salles-Oigers)

"Gambiarra Profana, poesia sem propriedade privada, livre como a vida, leve como pedra em passeata" (Fabiano Soares da Silva)

"Se eu matar todos os meus demônios, os anjos podem morrer também" (Tenneessee Williams)

domingo, 6 de maio de 2012

MENINO E A KOMBI AZUL




A sala de aula estava silenciosa, os quase quarenta alunos que tinham entre 08 e 09 anos olhavam o coleguinha que estava no canto da sala, junto a porta, de frente para a parede, com as mãos tapando os olhos, que estavam fechados. A professora sentada à mesa olhava a frase que o menino escreveu em resposta a pergunta que estava no quadro:

“O que você pede a Deus quando reza na hora de dormir?”

A professora leu todas as outras respostas e todas eram parecidas, sonhos de crianças, mas a do menino que estava no castigo, de costa para a turma, de frente para a parede era uma afronta, um sonho que parecia impossível, ele poderia ter respondido até mesmo sobre futebol, meninos gostam de futebol e outros meninos responderam que queriam ver o Brasil ser tetra campeão, afinal o Brasil iria tentar o tetra na Alemanha, faltavam alguns meses para a copa, outros queriam que seu time fosse campeão, afinal estava no meio do campeonato, outros queriam ser felizes, agora ela pensaria em alguma coisa, ele levaria um 0 além do castigo. O menino abre os dedos e tenta olhar entre eles, mas só vê a parede, parece sentir a sala girar e os olhares dos colegas em sua direção, sentia o olhar da professora como um chicote açoitando seu corpo, sentia  tremores, sentia medo, o mesmo medo que o fez escrever aquela resposta e pedia a Deus, ali no seu canto ermo, que o livrasse dos medos. Bateu o sinal do recreio, a professora formou os alunos em fila e os liberou para o pátio da escola, menos o menino, chamou-o e mandou-o sentar.

- Você ficará sem recreio e nunca mais escreva uma resposta dessas, ouviu?
- Sim professora

Ela olhou novamente a resposta:
“Quero comprar balas na padaria sem ter que me esconder ou correr da Kombi azul.”

- Por que você escreveu isso? – Perguntou a professora
- Eu tenho medo da Kombi azul – Respondeu o menino
- Ela existe para proteger você, só recolhe quem está nas ruas à toa – Disse a professora.
- Eu tenho medo, ela é amiga dos homens verdes, que colocam pessoas de castigo, viradas pra parede, assim como fiquei ali no canto e depois leva as pessoas para longe - Respondeu o menino.
- Quem disse isso a você? –  Perguntou a professora.
- Minha mãe – Respondeu o menino abaixando os olhos.
- Pode ir para o recreio, e não faça mais isso.
O menino levantou e foi para o recreio. A professora abriu a gaveta, pegou a caixa de fósforos, acendeu um palito, uma lágrima nasceu em seus olhos e molhou a folha que era consumida lentamente pelo fogo. A professora murmurou baixinho só para si enquanto olhava a folha sendo lentamente consumida pelo fogo:
- Sem vida aparente a liberdade fica escondida em veredas do coração de quem a sente


Olhou para as janelas da sala de aula, seu pequeno mundo naquele momento e pensou em seus alunos, que ela tinha que ensinar, mas também proteger mesmo desprotegendo de alguma forma do mundo lá fora, pensou em seu pai que os homens verdes levaram e que nunca mais voltará, ela no fundo também sentia medo e medos e medos e medos, tornou olhar a janela, viu o vazio no céu, então murmurou novamente baixinho para si mesma:

- Às vezes é melhor, mais seguro, que os sonhos de liberdade não saiam do casulo, e fiquem vivos, mas dentro do coração.

Arnoldo Pimentel

 
Esse conto faz parte da Trilogia dos Meninos

21 comentários:

  1. OI ARNOLDO!
    LI ESTE PRIMEIRO TEXTO E COMO ESTOU SEM TEMPO, NÃO IA COMENTAR AGORA, DEIXANDO PARA VOLTAR MAIS TARDE E LER OS OUTROS DOIS, COMO PROPÕES.
    O FATO É, QUE ACHEI TÃO EMOCIONANTE E SENSÍVEL, QUE NÃO PODERIA SAIR DAQUI SEM TE DIZER ISTO.
    MUITO LINDO E EMOCIONANTE!
    VOLTAREI.
    ABRÇS.

    zilanicelia.blogspot.com.br/
    Click AQUI

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  2. oi Arnoldo,

    adorei...
    sonhos devem existir sempre,
    e realizá-los deve ser nosso
    objetivo de vida...

    beijinhos

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  3. gostei Arnoldo..
    veou ler os demais..
    beijos perfumados.

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  4. Arnoldo,que beleza de conto!Muito criativo e tocante!Vamos a continuação...rssss...bjs,

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  5. Nada mais a dizer alem de que me emocionei...Bjos achocolatados

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  6. Quando leio o que você escreve, termino, fico parada olhando o que você escreveu, releio. Não tem como não sentir nada. Sonhos, medos, realizações, seus contos são maravilhosos. Tenha uma semana abençoada e beijinhos carinhosos para ti.

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  7. parabéns pela trilogia..
    como sempre, vc se superando..

    bjs.Sol

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  8. pôxa, poeta, sem palavras... bjuuu de linda semana.

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  9. Eu quero um livro de contos. Já publicou? Então corra e publique,pois é um contista talentosíssimo. Me emocionei...
    Mil xeros e uma semana excelente com saúde e paz.

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  10. Um comovente e lindo conto que revela a realidade de um coração de uma criança que sofre vítima de tantos abusos e imcompreensão... e acaba educando a professora...

    Beijos e boa noite!!

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  11. Lindo!
    Como sempre...

    Obrigado!

    um anjo

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  12. Realmente escreves com sentimentos, beijos e tenha uma ótima terça-feira

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  13. Reli...dvagar...
    "Sem vida aparente a liberdade fica escondida em veredas do coração de quem a sente"...
    Uma delícia!
    Bj

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  14. Pura emoçao!

    Vou ler os outros!

    Beijos!

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  15. É como dizem: "A maior prisão do mundo é a liberdade"

    Bonito texto.

    Um bjo querido.

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  16. Ah..liberdade!!!
    Quantos estão na busca?
    Quantos já nem sabem buscar?
    Quantos ainda não ouvram falar?

    Amei vir aqui nesta noite de sexta!
    Bjos meu querido!

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  17. Olá meu amigo, passando para desejar à você um excelente domingo. Beijinhos carinhosos para ti.

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  18. Uma dura realidade, abraço Lisette.

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  19. Li e reli e...talvez me tenha emocionada:)!
    Abraço amigo

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  20. O texto é tocante! Gostei muito Arnoldo, parabéns!

    Um abraço.

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