Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó




"Minha Poesia não usa vestes para se camuflar, é livre e nua" (Arnoldo Pimentel)

"Censurar ninguém se atreverá, meu canto já nasceu livre" (Sérgio Salles-Oigers)

"Gambiarra Profana, poesia sem propriedade privada, livre como a vida, leve como pedra em passeata" (Fabiano Soares da Silva)

"Se eu matar todos os meus demônios, os anjos podem morrer também" (Tenneessee Williams)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O QUARTO




Encostou o carro no pequeno café que fica um pouco antes da ponte sobre o rio, desceu do carro, fechou a porta e foi até a ponte, encostou no parapeito e olhou o rio lá embaixo, levantou a cabeça para olhar um pouco o céu aberto e pode ver lá longe um bando de pássaros rumo ao norte, imaginou os sorrisos quando chegarem e o silêncio na paisagem, agora neutra, de onde saíram. Ficou um tempo olhando o céu e os pássaros, até que estes por fim desapareceram na distância, gostava de viajar assim, sentia-se como aqueles pássaros que cortaram o céu rumo ao norte. Depois de alguns minutos caminhou em direção ao pequeno café na beira da estrada, onde deixou o carro estacionado, chegou à porta e entrou, sentou em um canto próximo a janela e pediu algo para comer.

- Por favor, tem um telefone que eu possa usar? – Perguntou a garçonete quando pagou a conta.
- Lá nos fundos do lado de fora. Tem moedas?
- Tenho o suficiente, não vou demorar. A senhorora sabe onde tem um hotel para passar a noite?
- É só seguir a estrada.
Saiu do café e foi até os fundos, pegou o telefone, discou e aguardou alguém atender do outro lado.
- Alô – Disse a voz do outro lado
- Sou eu, tudo bem?
- Sim, você sumiu, disse que iria viajar e não se despediu.
- Não gosto muito de despedidas, estou viajando a trabalho.
- Já faz dois meses, sinto sua falta.
- Eu também tenho saudades.
- Você é muito importante pra mim.
- Você também é muito importante pra mim, você sabe disso.
- Sei.
- Conseguiu o papel?
- Sim, consegui, estamos em cartaz há um mês.
- Você tem futuro.
- Você me ajudou muito passando o texto comigo para o teste.
- Eu gosto muito de teatro, pena que minha ocupação não me permite ir sempre.
- Eu tenho me dedicado muito para estar sempre bem no palco.
- Tenneesse Williams é meu autor preferido e você só vai melhorar, tenha certeza.
- A montagem é simples, alternativa, mas é meu primeiro personagem importante, a ansiedade é grande.
- Eu entendo, mas você irá se superar, tem talento, nasceu para isso.
- Espero que sim, não quero fazer outra coisa na vida, além de interpretar.
- Você consegue mancar e passar o sentimento de inferioridade bem no palco?
- Sim, e você se interpretasse, qual personagem do Tenneesse gostaria de interpretar?
- Estou mais para Blanche DuBois, rsrs

Houve um silêncio cortado pelo caminhão tanque que passou buzinando na estrada, que logo também silenciou desaparecendo no vento.
 
- Você volta quando? Quero tanto que venha assistir a peça.
- Minhas datas não são previsíveis, poderei ficar meses fora.
- Mas e seu apartamento?
- É praticamente para quando estou de férias e quando levo o trabalho para terminar, organizar, por isso ele está sempre fechado, eu vivo praticamente na natureza, para estudá-la.
 - Então nos conhecemos quando você estava de férias?
- Sim, por isso não me espere, não se prenda a mim.
- O grupo deve viajar com a peça, terei que ir junto, deixarei o roteiro por baixo da porta.
- Talvez a gente nunca mais se veja, não se prenda.
- Eu pensei...
- Não pense, por favor.
- Não sei se conseguirei.
- A ligação está no fim e preciso seguir viagem antes de anoitecer.
- É um adeus?
- Não sei, não sei se terei tempo um dia, mas confesso que queria, queria muito.
- Fiz um poema pra você, quer ouvir?
- Quero, diz.
- Espere, está por aqui.
- Não demore.
- Achei, ouça:

QUARTO

Meu coração
Insiste em sorrir
Com a chegada dos pássaros
Que cortam o céu até aqui
Mesmo sabendo que quando se vão
Em revoada
Deixam o silêncio
Na paisagem neutra
Do meu inverno

Houve um breve silêncio.
- Gostou? - Perguntou a voz do outro lado
- Gostei muito, mas é triste.
- É, um pouco, esse poema sou eu.

-
- Você ainda está ai? Alô, alô, alô.

Arnoldo Pimentel 

23 comentários:

  1. Prezado amigo, boa noite!

    Belíssimo conto! O poema que li no seu outro espaço ficou claro agora para mim!

    Muita paz!

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  2. Intensidade pura!
    Boa tarde amigo!
    Valéria

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  3. oi Arnoldo,

    adorei,
    é puro sentimento...

    beijinhos
    e amanhã você estará comigo
    no meu cantinho

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  4. Bom dia amigo ausente!!!!!!!!!!!!!!!
    expressar nossos sentimentos atrvés de um conto é para quem tem o dom das letras...e vc tem e sabe desenvolver muito bem...
    bjs de bom dia !

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  5. Meu caro,

    Que lindo! Gostei muito!
    Falaste da difuldade de seguir nosso coração em nome da razão, de um jeito todo peculiar. Lindo!

    Grande abraço e obrigada pelo carinho de sempre no Palavras

    Leila

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  6. Oi Arnoldo
    Rolou aí um certo desejo de ficar rs
    desses telefonemas que deixam saudade e o coração apertado.
    Muito bom esse toque e essa voz de vez em quando dizendo Alô alô!
    rs
    abraços e bom fim de semana

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  7. Olá Arnoldo

    Mais um conto repleto de puro sentimento, inseguro.....
    É a vida, na constante insegurança de encontros e desencontros sempre envoltos em puros sentimentos que nos vão alimentando a alma, nem sempre como desejamos, mas sempre na certeza da realidade.

    Feliz Fim de Semana.
    Um abraço com amizade
    Ana Paula

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  8. Olá Arnoldo

    Mais um conto repleto de puro sentimento, inseguro.....
    É a vida, na constante insegurança de encontros e desencontros sempre envoltos em puros sentimentos que nos vão alimentando a alma, nem sempre como desejamos, mas sempre na certeza da realidade.

    Feliz Fim de Semana.
    Um abraço com amizade
    Ana Paula

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  9. Como é bom passar aqui e ler tão bela escrita.
    Gosto demais dos teus contos.

    Beijos,
    Bom fim de semana...

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  10. Querido amigo, lindo conto, onde o o sentimento balança entre o entre o sentimento e a razão. Adorei!

    beijos, boa semana
    cvb

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  11. Arnoldo,li seu poema e parei para refleir o que quis dizer,porém agora com ele no conto,mudou a maneira de senti-lo.O belo poema em seu contesto passou a ter mais brilho.Excelente a sua escrita.Parabéns! Um grande abraço!

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  12. Olá Arnoldo,o poema toma outra dimensão quando lemos o seu conto,onde o poema faz morada.E,no contexto todo ele adquire grandes proporções.Que bom que podemos sentir alegria e tristeza,pois com isso podemos saber que somos sensíveis,quando lemos uma poesia que nos diz muito à alma.
    Um grande abraço!

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    Respostas
    1. Bom dia amigo!

      Triste! um sentimento tão bonito... tão puro...

      Beijos e bom dia!

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  13. Querido amigo,

    Um texto gostoso de ler, seguido de um belo poema. Adoro, sempre! Adorei esta nova forma de post com texto e poema evidenciando o seu enorme potencial.


    Obrigada pelo carinho no Desnuda, Arnoldo! Beijos e abraços nossos amigo. Edison e eu também estamos saudosos.

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  14. Ola Arnoldo!
    Obrigada por sua visita.
    Passei pra conhecer seu Blog e gostei muito.
    Vc escreve tão bem;parabéns.
    Adorei ler 'O Quarto',uma delícia de texto.
    Bjs!

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  15. Ah esses telefonemas, cheio de seus atendentes, ilusões, pensamentos, esperanças, decepções...

    Esses telefonemas que nos fazem parar no tempo e ficar. Feito linha grampeada, porta mal fechada, boca seca e entreaberta.

    Bonito, muito.

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  16. Olá Arnoldo,

    Lindo conto, cheio de intensidade.
    Quem de nós já não passou por diálogos tão decisivos não?....seja por telefone e até pessoalmente....
    Parabéns.....seu espaço tem muita personalidade e poesia fluindo no ar.

    Tenhas uma Linda semana, grande abraço de Luz!!!!


    p.s. Gostaria de lhe agradecer pela visita no "Essência", seja sempre bem vindo!!!

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  17. Olá Arnoldo,

    Lindo conto, cheio de intensidade.
    Quem de nós já não passou por diálogos tão decisivos não?....seja por telefone e até pessoalmente....
    Parabéns.....seu espaço tem muita personalidade e poesia fluindo no ar.

    Tenhas uma Linda semana, grande abraço de Luz!!!!


    p.s. Gostaria de lhe agradecer pela visita no "Essência", seja sempre bem vindo!!!

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  18. Boa tarde, Arnoldo. Muito bom, tanto o texto como o poema, e passa uma saudade, um certo desapego, uma contramão da vida.
    Parabéns!
    Um beijo na alma, e fique na paz!
    O brigada pelo seu carinho!

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  19. Boa tarde, Arnoldo. Muito bom texto e poema que refletem uma solidão, um amor desprendido e a contramão da vida!
    As cenas são facilmente imagináveis pela nossa mente, e realmente é o que ocorre muitas vezes!
    Obrigada pelo carinho.
    Beijos na alma, e fique com Deus!

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  20. Oi Arnoldo!!!

    Obrigado por sua visita em meu blog, seja sempre bem vindo!!!

    Também gostei muito do seu blog e seus escritos, Parabéns!!!

    Sempre aprendemos mais com as diversas leituras compartilhando cultura.

    Boa semana!!!

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  21. Amigo. O que é Issoooooo??? Meu Deus quanto talentooo!!! Amei, amei, amei, amei. Quero beber da fonte da tua inspiração.
    Te adoro, sou tua fã número um.
    Um xero cheio de saudade.

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