Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó




"Minha Poesia não usa vestes para se camuflar, é livre e nua" (Arnoldo Pimentel)

"Censurar ninguém se atreverá, meu canto já nasceu livre" (Sérgio Salles-Oigers)

"Gambiarra Profana, poesia sem propriedade privada, livre como a vida, leve como pedra em passeata" (Fabiano Soares da Silva)

"Se eu matar todos os meus demônios, os anjos podem morrer também" (Tenneessee Williams)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

NOITE


Toda noite o trem parte
Toda noite a mesma solidão
Olhos nos olhos
Um leve toque de mãos

Toda noite a mesma candura
Deserto em flor
Nem mesmo um beijo
Toda noite a mesma dor

Toda noite
O nevoeiro esconde a desilusão
Toda noite o mesmo desencanto

Toda noite o aceno solitário
Do rosto que fica
Do amor que vive em cada despedida

Arnoldo Pimentel
Do Livro NUVENS de Arnoldo Pimentel


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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

UM VENTO NA NOITE DO TENNESSE

                                       

     Abriu a porta e saiu para a varanda, queria sentir o frescor do anoitecer, ficaria por ali olhando a estrada de terra que passava em frente ao portão. A varanda era grande, com algumas plantas, assim como o quintal daquela tranqüila casa de campo. Caminhou até a cadeira de balanço do lado esquerdo da mesa de madeira e sentou-se. Do outro lado da estrada havia uma casa, do lado esquerdo uma curva e do direito uma reta até o centro do bairro.  Ali é tudo quieto, vez por outra passava um automóvel e podia-se ouvir os pássaros e o som do riacho lá no fundo após a curva da estrada de terra. Seu coração já não era tão forte como em tempos passados e por isso não se sentia bem na cidade, não se sentia mais um homem urbano. Depois de alguns minutos sua esposa, companheira há mais de cinqüenta anos veio sentar-se ao seu lado, com passos também curtos, um tanto cansados, atravessou a distância que os separava e sentou na cadeira de balanço ao lado da sua. Ficaram alguns minutos em silêncio admirando o anoitecer. Ela sabia que ele gostava de sentir o toque do vento em seu rosto sem muitas palavras. Assim ficaram e a noite cobriu o quintal, ela levantou, acendeu a lâmpada e voltou a sentar.
- O que você pensa quando está aqui? Perguntou Maria
- Sinto que algo escapa de mim aos poucos.  – Respondeu José
- Algo como?
- A vida, talvez.
- Sente-se infeliz?
- Não, sinto-me feliz pela vida que tive.
- Sente saudades de quando éramos mais jovens?
- Acho que não, tudo tem seu tempo, agora só me resta esperar enquanto fico aqui sentado observando a natureza.
- Eu sou feliz por todo tempo que vivemos juntos.
- É tão bom ouvir isso de você.
Ficaram novamente em silêncio, quem sabe não estavam lembrando cada um ao seu modo tudo que passaram juntos. A noite era fresca e as estrelas piscavam, talvez para a lua cheia que ilustrava com sua beleza aquele pedaço do céu.

- Quer um refresco? Perguntou Maria
- Quero sim, uma laranjada sem açúcar – Respondeu José
- Vou preparar.
- Enquanto espero ficarei observando a lua e as estrelas.
Maria levantou-se para ir à cozinha e José ficou na cadeira de balanço, balançando e ouvindo a voz das estrelas cantando pra lua. Era apenas um lugar, que ficou escondido no tempo em que a cadeira balançava na varanda, tocada pelo vento, protegida do sol, protegida da chuva, dos olhares ermos que passavam na estrada, dos sonhos que vagavam perdidos, enquanto o outono não dobrava a esquina pra deixar a manhã vazia.

Maria voltou com a laranjada e colocou sobre a mesa, ao lado de José, mas ele não esticou a mão para pegar, ela sentiu um aperto no coração quando viu seus olhos fechados.

- “Talvez tenha dormindo” – Pensou
- José
- José
Ela tocou seu ombro e sua cabeça caiu para o lado
- Meu velho, não me deixe sozinha
- Não me deixe sozinha meu amor, não me deixe sozinha
O vento parou de balançar a cadeira e a lua escondeu-se atrás das nuvens que deixaram as lágrimas caírem na noite.

Arnoldo Pimentel

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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

ÁRVORES BRANCAS DESENHADAS NO CÉU


ÁRVORES BRANCAS DESENHADAS NO CÉU
Autor: Arnoldo Pimentel
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As janelas da casa ficavam praticamente junto à rua, separas apenas pela calçada, o quintal era grande, ficava nos fundos e se estendia até o rio que cortava a pequena cidade, a casa ficava próxima à ponte na rua central e a ponte bem próxima da estação de trem e do hotel de onde partia o ônibus,  ainda de madrugada, pelas 5 da manhã e só retornava no principio da noite. Os dois irmãos já bem cedinho estavam de pé pelo quintal, gostavam de ouvir os pássaros cantando nas árvores e principalmente o som do pica-pau nas árvores altas lá pelos lados do túnel.
- Escuta o pica-pau – disse o mais velho
- Ele vai comer a árvore toda? – perguntou o mais novo
- Não sei, mas acho que não
Era hora de buscar leite na cooperativa e o pai os chamou
- Vocês vão comprar leite
Cada um pegou uma garrafa e foram brincando pela rua, pararam em frente ao bar do poeta, que ficava numa elevação, bem em frente a rua da única escola da cidade
- Bom dia poeta
- Bom dia meninos, venham até  aqui e peguem uma bananada cada
 O poeta gostava de crianças e sempre tinha um doce e um sorriso para elas. Os irmãos pegaram os doces, agradeceram e seguiram o caminho para a cooperativa, enquanto conversavam olhavam as chaminés das casas soltando a fumaça que nascia na cozinha, do fogão à lenha, onde o almoço era lentamente preparado. Depois que compraram o leite voltaram pelo outro lado, atravessaram a ponte perto da cachoeira e chegaram na linha do trem, tomando o rumo de casa, entraram no túnel, naquela hora da manhã não havia perigo, o próximo trem só chegaria pelo meio dia, no interior do túnel a escuridão causava um certo frio e eles ficaram em completo silêncio, ouvia-se apenas o pinga-pinga da água que escorria pelas paredes de pedra, saíram do túnel e reencontraram o céu azul com algumas nuvens brancas.
- Olhe como é bonito o céu – disse o mais velho
- As nuvens parecem desenhos
- É mesmo, vários desenhos
- Algumas parecem árvores brancas desenhadas no céu
Talvez um dia eles pudessem voltar a caminhar pelo caminho do trem, mas não existiria mais trem, o trem Maria fumaça, não existiria mais a fumaça das chaminés, nem chaminés nas casas, não existiria mais casa.
No cair da tarde estavam na janela da sala olhando a rua, em frente a casa, um pouco para a esquerda ficava o armazém do feijão, um português obeso que tinha sempre um palito de fósforo no canto da boca e uma caneta na orelha, tinha também um jeep Willys e uma rural willys que ficavam o tempo todo estacionados na porta do armazém e nas noites de chuva, os meninos saíam escondidos de casa e ficavam brincando com o limpa para brisa dos carros. Eles estavam na janela esperando a chegada do ônibus, aquele que saiu de madrugada, que fazia a única linha de ônibus da cidade, eram três ônibus, apenas um saia e os meninos os apelidaram de “chorando, sério e sorrindo”, geralmente é “chorando” que era o mais antigo que trafegava, o “sério” só aos sábados e domingos e o “sorrindo” em dias de festa na cidade. O ônibus entrou na rua central, lá em cima, em frente ao bar do poeta e da janela da casa o irmão mais velho apontou.
- Olha o ônibus
- É o “chorando”, sempre ele, gosto mais dos outros
Mesmo sendo o “chorando” esperaram de olhos arregalados até que passasse na frente da janela e deram adeus de sorriso aberto e Seu José, o motorista buzinou como todas as noites.
- É hora de jantar – chamou a mãe
Os irmãos foram jantar e depois iriam ficar esperando o encanto da cidade no fim de noite, a chegada do trem Maria fumaça, que chegava pelas 21 horas, mas sempre atrasava, a estação ficava cheia, o trem era a alegria maior das crianças nas noites desertas da pequena cidade.
Ouviu-se o apito ao longe, antes do túnel
- Ele ainda não entrou no túnel – disse o mais velho
- Quando vai entrar?
- Já, já
Houve um silêncio
- Entrou no túnel
Ficaram tensos, esperando a apito do trem ao sair do túnel, os segundos pareciam uma vida na imaginação fértil dos dois pequenos irmãos.
- E o trem? – perguntou o mais novo
- Calma, fique quieto
Piiiii, piiii. Era o trem saindo do túnel, sua silhueta apareceu no final da reta, no meio das sombras da noite, os meninos arregalaram os olhos de emoção, o trem reduzia a velocidade conforme se aproxima da estação, tocando o sino e apitando, avisando à cidade que estava chegando e assim foi encostando na plataforma da estação, até que finalmente parou. Os passageiros foram descendo aos poucos e aos poucos a estação ficou vazia, tão vazia quanto ficaria um dia, um dia ficaria vazia para sempre. Os irmãos se olharam, sorriram de felicidade, da felicidade daqueles dias e devagar foram voltando pra casa, a rua foi ficando deserta, a noite estava estrelada, eram tantas estrelas que nem se podia contar.
- Olha uma estrela cadente – apontou o mais velho
- Estou vendo
- Faça um pedido, mas não conte
- Já fiz – disse o mais novo com um olhar de esperança
Entraram em casa e ficaram na sala, perto do pai que ouvia no rádio notícias do futebol, era um rádio de mesa preto, com a frente vermelha e botões dourados. Como a energia era fraca a voz ia e vinha.
- Já é tarde, hora de dormir – disse o pai de repente
- Só mais um pouco
- Não, daqui há pouco é hora da mula sem cabeça – disse o pai desligando o rádio
Foram para o quarto, deitaram, se cobriram, a mãe apagou as luzes, tudo escuro na casa. Pela meia noite eles ouviram o barulho lá na rua, era a mula sem cabeça passando perto da janela do quarto que dava pra rua, eles ouviram nitidamente o trotar da mula sem cabeça ecoando na noite, se encolheram embaixo das cobertas, pois a mula sem cabeça não podia ver unhas, dentes ou olhos e ali ficaram no pesadelo do medo até o silêncio finalmente voltar.
- Ela já foi – murmurou baixinho o irmão mais velho
- Que bom
- Você lembra a estrela cadente?
- Lembro, que pedido você fez?
- Que um dia possamos voar pelos céus, e você?
- Que a gente fique sempre juntos e sempre amigos, mesmo quando adultos
Assim adormeceram até o galo cantar, o galo sempre canta ao amanhecer de um novo dia e no fundo, bem no fundo do coração, eles sabiam que tudo ali ficaria pra trás, que um dia suas vidas iriam se separar, e então nada mais restaria além de lembranças, que no tempo virariam árvores brancas desenhadas no céu.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

EMBARCAÇÃO

Ainda existem sorrisos no meio dos oceanos
E no interior das conchas que decoram os jardins
Não é porque o vento
Nos leva de encontro aos recifes
Que iremos naufragar

Todos os caminhos
Têm vários horizontes
E o arco-íris não ilumina o céu
Somente em dias de chuva

Até hoje ouço ao longe
O apito do trem que passou aqui no sinal
E deixou saudades

As flores nunca irão murchar
Porque são nutridas pelas palavras
Que semeiam nossos corações
Através do tempo

E a saudade é vida em nossa
Embarcação