Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó




"Minha Poesia não usa vestes para se camuflar, é livre e nua" (Arnoldo Pimentel)

"Censurar ninguém se atreverá, meu canto já nasceu livre" (Sérgio Salles-Oigers)

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sábado, 23 de outubro de 2010

HELENA









 As imagagens são uma homenagem aos filmes de faroeste que eu e minha mãe Helena sempre assistimos juntos, a primeira é do filme "Rastros de Ódio" do mestre John Ford com John Wayne e a segunda é uma imagem do Monument Valley, que sempre esteve presente nos filmes do mestre.

HELENA


Era uma manhã de domingo como as outras no mês de março, sol claro e quente. Helena preparou o café no coador de pano, como fazia sempre, o aroma viajava feito pássaros em revoada, sentamos pra tomar café, conversamos e notei que ela estava um pouco triste, mas fiquei quieto, éramos muito ligados um ao outro e sempre respeitei seu silêncio.
Por volta das nove da manhã estávamos no quintal, olhei uma cena, um retrato que nunca mais saiu de minha memória, era um banco junto à parede da casa em construção, estavam sentados ali, Helena, meu filho que na época estava com três anos, meu sobrinho com dois anos e um tio. Helena acariciava os dois netos, que ficavam sorrindo, nessa hora eu não tinha uma máquina para fotografar aquele último momento que a veria feliz.
Saí um pouco para ir à feira comprar frango fresco para o almoço e no caminho lembrei, não sei por que, da noite do natal passado quando estávamos todos na casa do meu irmão e um pouco depois da meia-noite, saí da casa e fui até o muro do terraço ficar olhando o céu, gosto muito de olhar o vazio do céu, foi quando Helena se aproximou e ficamos ali conversando e olhando os fogos, por um bom tempo ficamos ali e em certo momento ela falou –“Este é o último natal que passamos juntos”, confesso que naquele instante senti um aperto no coração, senti que não havia um horizonte, que não havia um ponto fixo para atravessar a ponte.
Cheguei da feira e depois fui até a esquina, o sol ainda estava brilhando, o céu azul, limpo com poucas nuvens brancas, mas meu olhar sentia uma infinita tristeza, algo por vir, talvez uma tristeza escondida entre as paredes da esquina. Parei no jornaleiro e fiquei conversando com amigos, acabei me distraindo enquanto os minutos passavam, foi quando veio alguém em minha direção, chamou-me no canto e pediu para eu ir para casa, nesse instante minhas pernas tremeram, senti calafrios e fui caminhando com passos largos, não prestava atenção nas árvores, nas folhas verdes que estavam murchando, entrei pelo quintal e vi o movimento na porta da cozinha, entrei e foi quando vi Helena sendo trazida pelos braços, segurei no braço esquerdo, ajudando a levá-la para o carro, ela olhou pra mim, olhos tristes, cansados, já ausentes, nesse momento lembrei-me dos tempos de criança, em que eu ficava sorrindo para ela, lembrei-me da cachoeira que muitas vezes ela levava-me para olhar, de quando penteava seus cabelos longos, quando eu pedia colo, e quando adulto, das conversas que tínhamos e até dos filmes em preto e branco que ficávamos assistindo toda noite, mas ali estava seu olhar, ali vi o tempo passar, ela suspirou, olhou-me novamente nos olhos, fez um último esforço apertando de leve minha mão e falou baixinho, quase sussurrando, “Estou indo descansar”, senti um abandono, um abismo, minha mãe tão amiga, tão querida, na minha frente partindo, fiquei ali perdido, esquecido e acho que nunca me senti tão só.

18 comentários:

  1. Helena, tua mãe!...
    Quase todas as mães são assim, poupando e protegendo suas crias até ao último segundo...!Eu li Arnoldo e me emocionei, me lembrou meu avô Rodrigo...!
    Eu volto mais logo...
    Beijo!

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  2. Arnoldo,

    fiquei bastante comovida ( sei bem as dores das perdas)... Adorava estes filmes e cheguei a sentir o aroma do café neste coador. Lembranças suas, somadas às minhas.


    Bom fim de semana, Arnoldo. Beijos com carinho.

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  3. Belíssimo teu jeito de extirpar tua dor (se é que isso é possível). Muito triste e belo. Não sei lidar com perdas, me doeu teu texto. Beijo, querido!

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  4. Nossa meu amigo Arnoldo,
    ficou difícil terminar de ler...
    a emoção tomou conta, os olhos se inundaram
    e o coração apertou...
    deixo ás palavras....á poesia.

    Beijos em tua alma.

    Marion

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  5. Belo texto o seu, lembrei do meu avõ que adorava filmes de faoreste. Éramos felizes e não sabíamos.Emocionou-me bastante.

    abraços.

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  6. Ah! Querido Arnoldo.
    Fizeste-me chorar, senti ao lêr sua escrita a lembrança da perda da minha mãezinha, quando a levei ao hospital, ela não estava bem, despediu-se de mim dizendo "Sei que não volto aqui, mas estarei sempre com vocês"
    Assim não me sinto só....
    Abraços carinhoso
    Preciosa Maria

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  7. vC ME FEZ CHORAR, SEU TEXTO É LINDO E ME TROXE LEMBRAÇAS TRISTES ASSIM E BASTANTE RECENTES.
    Bjoss!!!!

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  8. Lindo texto...

    são assim as mães sempre amigas e protetoras!!!

    bjinhus...

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  9. Olá Arnoldo
    É terrivelmente difícil, perder alguém que faz parte de nós... acho que essa parte vai com eles... essa minha parte partiu com... e nunca mais voltou, fica uma solidão vazia onde mora uma saudade muito dorida. É muito difícilll!!!
    Bjosss

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  10. Meu amigo Arnoldo as lembranças ficam e nos marcam por dentro, que bom que são recordações boas, do cheiro do café, das conversas e sorrisos, é dolorido lembrar. É, muito linda sua hisória colocada no papel, emociona senti a tristeza da história. Mães, como se diz deviam ser eternas.
    Um beijo no coração amigo.

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  11. Deu pra sentir a emoção, ao ler sua história Arnoldo. Lindo e triste. Um beijo no coração.

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  12. As partidas nos calam fundo, embargam a voz e trazem à tona aos borbotões, toda a história de uma vida. Quando nossa vida fez sentido, a saudade que resta é mansa, a tristeza é suave e o consolo nos acompanha na caminhada restante que faremos sem a presença física do ser amado. Pungente, poético, sentido. Abraço fraterno.

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  13. A perda dos meus pais ainda me dói fundo na alma, meu amigo. Nada, nada sobre a terra substitui o amor da nossa mãezinha. Mas Helena, com certeza, vela por ti, ela não te abandonará.
    Uma semana bem inspirada, Arnoldo!!!Bjs

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  14. Ah, mais que encanto meu caro Arnoldo. Acho Helena um nome belíssimo e bastante forte. Por outro lado tem uma doçura tão grande, feito o seu texto...

    Um abraço, uma ótima semana

    Ahhh, e me desculpe comentar tão pouco, mas é porque tenho tido pouco tempo mesmo...rsr...Volto quando puder!

    Tamires

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  15. Olá Arnaldo!!!

    Ao ler o teu texto deu-me uma vontade enorme de abraçar minha mãe!!! Que bom que ainda a tenho junto a mim...

    Helena uma grande mulher, tu és o reflexo da tua LINDA MÃE.

    beijos E BOA SEMANA.

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  16. Arnoldo querido,

    a morte é triste, dura e tão bela. Me encantei de sentir o quanto a gente vai sentindo ela chegar e o quanto a gente faz de conta que ela não está chegando. É que a dor dói tão pulsante, tão inevitável é a devastação e a nostalgia...

    Sua mãe sabia da própria hora. Ela era sábia e decidiu entregar-se à morte quando sentiu que devia. Creio eu que tenha igualmente entregado-se para a vida.

    A sua parceria com ela e o amor foram narrados de maneira extremamente poética. Emocionei-me e chorei por alguns instantes. Choro bom de reconhecimento das verdades essenciais da existência. É na morte que vida é mais bela. E foi ao morrer que sua mãe imortalizou-se em exemplo para todos nós. Exemplo de coragem. Vejo que aprendeu com ela. Seu texto é alma pura.

    Obrigada por compartilhar suas belezas!
    Abraço!

    E vamos confiar na vida! ;)

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  17. Passear num universo de palavras assim não tem preço.
    Meus parabéns e obrigado por me deleitares com teus escritos.
    Voltarei sempre e sempre, para acalentar minha alma, adoçar meu coração.
    Um abraço
    Iara

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