Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó




"Minha Poesia não usa vestes para se camuflar, é livre e nua" (Arnoldo Pimentel)

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domingo, 8 de julho de 2012

SE AS FOLHAS AINDA FOSSEM VERDES...


SE AS FOLHAS AINDA FOSSEM VERDES...

O violão estava pendurado nas costas, talvez fosse sua única companhia, sua única amizade, seu alento nas horas que queria ficar só, às vezes olhando a chuva do celeiro, às vezes sentido a noite emaranhar-se com seus tormentos. Entrou na sala onde havia um homem sentado no sofá fumando um cigarro e observando a fumaça perder-se no tempo com sua gaita sobre o braço do sofá.

- Está na hora meu pai.
- Hora de que filho?
- Minha hora de partir, de buscar meu próprio rumo.
- Você é muito jovem ainda.
- Eu sei me cuidar pai.
- Não duvido disso, mas aqui é seu lugar.
- Meu lugar é lá fora pai.
- Seu irmão é mais velho que você e não deixou nossa casa.
- Sou diferente pai, preciso ganhar o mundo.
- Ganhar o mundo com seu violão?
- Com minha música e meus sonhos.
- Não vou te prender filho, não iria adiantar, você seria infeliz.
- Sou um andarilho pai, o mundo é minha casa, minha música minha vida.
- Não vai se despedir do seu irmão?
- Melhor não, ele não me entende.
- Vai voltar um dia?
- Não sei,  adeus pai.
- Quer levar a gaita?
- Não, ela é sua,
- Você é muito bom, ela lhe fará bem.
- Melhor não meu pai, melhor eu ir logo.
- Adeus filho.

Ele virou as costas, caminhou até a sala, abriu a porta e partiu. O pai ficou sozinho, acendeu outro cigarro, deu um trago, colocou sobre o cinzeiro, pegou a gaita e desistiu de tocar, ficou lembrando sua esposa que já era falecida há algum tempo, talvez desde então seu filho mais novo tenha começado a sentir vontade de partir, de seguir seu rumo, ouviu o portão de madeira fechando e preferiu não olhar e vê-lo ir embora, no fundo queria muito que ele fosse feliz.

O ônibus encostou na parada, um posto de estrada, o homem desceu degrau por degrau pela única porta do veículo, tinha barba de uns cinco dias, vestia calça jeans, jaqueta jeans por cima da camisa branca, chapéu e botas, tudo um tanto surrado pelo uso, nas mãos um violão e uma pequena mala, entrou no bar e foi até o balcão, colocou a maleta e o violão num banco e sentou no outro.

- Uma cerveja e algo para comer, por favor.
O barman abriu a cerveja, trouxe algo para comer.

- É novo na cidade?
- Pode-se dizer que sim.
- Se está procurando trabalho como músico, por aqui é difícil.
- Eu sei.
- O senhor não fala muito.
- Não, quase não falo.
Ele terminou a refeição, pagou, pegou seus pertences, saiu do bar e seguiu pela estrada, caminhando devagar e assoviando uma música, a mesma que tocava com a gaita de seu velho pai.Caminhou uns trinta minutos até que parou em frente a um portão, o portão que ficou para trás havia muito tempo. Murmurou para si um poema que veio imaginando no caminho.

                                                       
Aqui eu não me sentia bem
Tudo era tão difícil
A estrada era de poeira
Às vezes ventava tanto que eu tinha que me esconder
Dentro da geladeira
E nesses momentos eu só queria ir embora
Agora fico olhando aqui do lado de fora
E não sei se devo abrir o portão
Só em ver a varanda tão cheia de flores
De amor e de vida
E paz a reinar
Tenho medo que não me abracem
Que não me recebam bem
Por causa da saudade



 Ficou ali parado alguns minutos e por fim abriu o portão e entrou, foi vencendo a distância entre o portão, (o mesmo portão que ficou para trás havia muito tempo, o mesmo portão que viu seu vulto e seu violão desaparecerem na estrada) e a porta da casa que estava fechada, bateu e ouviu uma voz vida de dentro

- Já vai
A porta se abriu e um homem um pouco mais velho que ele apareceu
- O que faz aqui depois de tantos anos? Perguntou o homem
- Voltei para rever meu passado e tentar encontrar meu futuro – Respondeu
- Quem é? Disse uma mulher lá de dentro
- É meu irmão – Respondeu o homem da porta
A mulher apareceu junto a porta, também era um tanto mais velha que ele
- Eu sou esposa do seu irmão, ele fala muito pouco de você – Disse a mulher
- Eu compreendo – Respondeu
A mulher virou-se para o homem que estava na porta e disse:
- Não vai convidar seu irmão para entrar, para conhecer a família, conhecer nossos filhos?
O homem virou para ele e disse:
- Entre, já faz tanto tempo que nem o conheço mais – Disse o homem
- Sim, faz muito tempo – Respondeu e entrou na sala
- Sente-se – Disse o homem agora dentro da casa
Ele sentou e colocou o violão e a pequena mala no chão, ao lado do sofá.
- Eu vou chamar as crianças e terminar o jantar – Disse a mulher
Ela subiu a escada para os quartos e chamou os filhos que desceram correndo e abraçaram o tio distante, tio que nunca tinham visto, além de antigos retratos.
- Tio você veio de longe? - Perguntou o menino de uns oito anos
- Sim, vim de longe, do outro lado da montanha.
- Nós te amamos, papai só fala de você as vezes,só quando perguntamos, mas nós te amamos - Disse a menina de uns seis anos.
Ficaram na sala se conhecendo até que o menino disse:
- Toque o violão.
Ele pegou o violão e ficou ali tocando, cantando algumas músicas, a voz já não era a mesma, mas ficou ali tocando e cantando seu passado.
- Pegue sua gaita e toca pro tio - Disse a menina
O menino subiu e desceu a escada correndo e trouxe a gaita, o homem pegou e reconheceu a gaita de seu pai.
- Toca pra mim - Disse ao sobrinho
O menino tocou, e riu e tio chorou.
- Está triste? - Perguntou a menina
- Não, estou lembrando do meu pai, avô de vocês, que também tocava gaita.
- Essa era dele, papai me deu quando vovô morreu - Disse o menino
E ficaram os três ali a conversar, enquanto seu irmão e a esposa preparavam o jantar.
Chegou a hora do jantar e foram todos para a mesa, quando terminaram a mamãe falou para as crianças se despedirem do tio e irem pra cama.
-Mãe eu posso fazer um desenho e pintar no quarto antes de dormir, para mostrar o tio amanhã?
- Pode sim, agora se despeçam do tio, subam e orem antes de dormirem. - Disse a mãe.
- Até amanhã tio - Disse a menina
- Você vai morar com a gente? - Perguntou o menino.
- Ainda não sei, mas amanhã a gente vai passear, agora vão se deitar.
As crianças subiram correndo e felizes.
Os três adultos ficaram na sala e a mulher falou.
- Seria bom você ficar conosco, sempre tem lugar.
- Eu pretendo ficar, se puder
- Hoje você dorme na garagem, vamos lá arrumar, amanhã a gente resolve - Disse o irmão
- Até amanhã - Disse para a cunhada.
- Até amanhã.

Os dois irmãos saíram da casa e foram para a garagem, entraram e ele disse ao irmão mais velho:
- Eu tentei a vida na música
= E então?
- Minha experiência não foi das melhores
= Mas, e sua música?
- Isso é só um detalhe
= Não quer falar?
- Melhor não
= Drogas? Foi isso?
- Eu só quero recomeçar
= Depois de tanto tempo fora?
- Eu preciso
= Tantos anos, acha pouco? Há sete anos que não liga
- Era melhor não ligar
= O pai se foi a dois anos, esperando você entrar pela porta
-  Eu não tinha como voltar
= E agora volta esperando sorrisos
- Não espero sorrisos, apenas uma chance
= Você não é um bom exemplo de vida para meus filhos.
- Eu sei, mas preciso ter uma família, preciso acreditar na vida.
= Desde que seja longe daqui, o ônibus parte as cinco e trinta da manhã, lá do posto.
- Não tenho chance?
= Estou pensando no bem dos meus filhos, você é um andarilho, seu lugar não é aqui, você não faz parte da minha família, desde que saiu pelo portão para seguir seus sonhos e nos deixou, eu e o pai sozinhos.
- É um adeus?
= Adeus

Antes  do galo cantar sentiu que teria mesmo que partir, saiu da garagem, chegou ao meio do quintal, olhou para trás e viu a casa que deixaria mais uma vez, dessa vez para sempre, não fazia parte dali, talvez nunca tenha feito mesmo, enquanto caminhava até o portão foi criando um poema.

Ainda não ouvi o galo cantar
Mas confesso que tenho medo
Do que poderá vir, fico confuso
Só em pensar como a lua irá dormir hoje

As estradas irão aparecer do nada
Mas só poderei seguir uma
A estrada do meu destino
E não sei se estarei pronto

Para levar aos ventos
O Amor que conheço
Para falar desse Amor
Que não mereço

Minha fragilidade está à flor da pele
Acho que ficarei à beira mar
Ficarei por horas
Para tentar descobrir
Se poderei mesmo ser um pescador

Saiu pelo portão e seguiu a estrada que o levaria até o posto, onde chegou na tarde passada, parou na pequena ponte sobre o córrego, olhou as águas claras que seguiam o caminho, resolveu descer para sentir o córrego de perto, desceu, abaixou e tocou a água limpa, nesse momento pensou umas palavras que mostravam um pouco do que estava sentido, do que viu além das águas do córrego.

VÁCUO DENTRO DO CÓRREGO

Olhando de longe parece
Não existir fronteiras
Toda a paisagem é maquiada com flores
É de perto que se vê
O vácuo dentro do córrego
Os versículos do mesmo capítulo
Que não se juntam
O amargo dos sorrisos
As rugas que se multiplicam
Os fuzis que atiram em silêncio
Os muros que se levantam
Os vivos que se tornam mortos

Entrou no ônibus levando a mala e o violão, sentou num lugar junto a janela,  esperando a hora do ônibus partir, enquanto isso ficou imaginando, olhando, tentando descobrir  onde está escondido o horizonte ausente, tentando descobrir quando os melhores anos de sua vida iriam lhe reencontrar. O ônibus partiu pontualmente as 5:30, ainda de madrugada, ele olhou a paisagem em movimento e falou para si mesmo:

- “Eu sei que meu olhar percorre apenas estradas vazias”

Eram sete da manhã quando a mãe, um pouco entristecida foi atender os filhos que chamavam na sala.

- Mãe – Disse a menina, que estava ao lado do irmão que tinha a gaita na mão.
- Sim, mamãe está ouvindo.
- Olha o girassol que desenhei e pintamos juntos pro tio, será que ele vai gostar?
- Mãe
- Oi filho
- Diz onde o tio está?

Arnoldo Pimentel

17 comentários:

  1. Lindo e triste conto... eu acho que às vezes, as estradas que não percorremos há muito tempo, ficam bloqueadas para sempre. Até o amor seca, quando não é cuidado. mesmo as relações de família, quando são negligenciadas, podem tornas as pessoas estranhas umas às outras. Sei, pois tenho um irmão que saiu pela vida há doze anos, e nunca mais o vi.

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  2. é... quantas pessoas não se veem aqui representadas... plagiando meu amigo JaymeOFilho: poeta, minha admiração... bjuuu

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  3. Eu adorei o teu conto meu amigo, aos poucos estou voltando, obrigada pelo teu carinho em minha página, beijos Luconi

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  4. Maravilhoso seu conto, porém em partes tristes.

    Em nossa vida sempre há essas estradas assim tão distante,que parece vazias...Fiquei aqui pensando nas minhas...

    Grande abraços!

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  5. Olá Arnoldo :)
    Um texto comovente.
    Acho que a melhor coisa que ele poderia fazer,é ser um pescador mesmo,já que está acostumado viver à deriva,afinal abandonou tudo e saiu pelo mundo.
    Ficou tanto tempo sem dar notícias,não criou raízes.
    Ainda bem que ele tem a companhia do violão.
    Bjs!!

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  6. Arnoldo, parabéns pelo conto, Gostei demais!

    Um abraço.

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  7. Que vontade e que inspiração para escrever!! Parabéns, meu amigo Arnold! Seu conto é lindo! Bjo!

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  8. Arnoldo,agora entendi ainda mais a poesia do outro blog seu!Belo e tocante conto onde na busca pessoal muitas vezes nos vemos sós! bjs,

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  9. Vim aqui primeiro, em vista de sua menção, no outro blog.
    É triste sua narrativa, porque os caminhos ficaram vazios em todos os lados. A busca dos sonhos é um dever, mas não se pode abandonar as origens, notadamente os entes queridos. É deles que vem o suporte , as lembranças, o carinho que vai preencher a nova jornada. Bjs.

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  10. Arnoldo,
    interessante a lincagem do teu haicai com esse conto. Interessante e inteligente, abraços!

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  11. Tudo tão perfeito que sempre nos convida para uma volta ...
    bjsssssssssssssss

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  12. Maravilhosos o conto!
    Pura emoção do inicio ao fim!
    Parabéns!

    Beijos!

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  13. Amigo quantas estradas temos pela frente??? Quantos caminhos precisamos seguir?? Tomara que sejam mais alegres, rs! Tô de férias, mas não esqueço de ti. TE AMODIRO!!!
    Um xeeeero!!

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  14. Saudade do amigo, deixo aqui o meu carinho... um beijinho... e um até breve, mas que "O breve seja de um longo pensar, que o longo, seja de um curto sentir e que tudo seja tão leve, que o tempo nunca leve!" Um belo fim de semana para ti.

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  15. Conto bastante tocante, mas bonito. Parabéns!
    Bjinhos no ♥

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  16. Excelente conto. Parabéns. Meus olhos... ah! Esses meus olhos!

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