Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó




"Minha Poesia não usa vestes para se camuflar, é livre e nua" (Arnoldo Pimentel)

"Censurar ninguém se atreverá, meu canto já nasceu livre" (Sérgio Salles-Oigers)

"Gambiarra Profana, poesia sem propriedade privada, livre como a vida, leve como pedra em passeata" (Fabiano Soares da Silva)

"Se eu matar todos os meus demônios, os anjos podem morrer também" (Tenneessee Williams)

terça-feira, 26 de junho de 2012

GDÁNSK





GDÁNSK
Este conto é dedicado aos meus amigos de pescaria de anos atrás( José Antônio, Pedro, Edson, Marcos, Vanderley)
                                                           
Já passavam das dez horas numa manhã fria de sábado quando o ônibus parou no ponto e um homem desceu, vestia um casaco longo, chapéu e luvas para se proteger do frio, ficou parado um breve instante olhando o mar, depois virou-se e olhou o bar e restaurante do outro lado da via, atravessou e entrou. Sentou em um lugar junto a janela para poder olhar o mar.Parecia sentir a melodia do frio indo em busca das paisagens que iria pintar.

- O senhor deseja alguma coisa? – perguntou a garçonete
- Chocolate quente e pão integral
Fez o pedido e ficou olhando a estrada e do outro lado o mar, o mesmo mar onde costumava pescar, lá nas pedras, com mais cinco amigos há muito tempo.Quinze minutos havia se passado quando uma pick up preta, encostou em frente ao restaurante, um homem mais ou menos de sua idade desceu e entrou esfregando as mãos, olhou o ambiente, o reconheceu e sentou.

+Você não mudou muito nestes últimos quarenta anos – Disse o homem
- Você também não mudou muito – respondeu
+Que nada, envelheci assim como esse lugar
- O mar continua o mesmo no inverno
+ Por isso pescávamos no verão
- Era uma época boa, éramos jovens, nós todos
+ Recebi sua carta marcando aqui
- Passei a vida toda fora depois que deixei nossa cidade
+ Eu também nunca mais vim aqui, mas continuo vivendo lá.
 O amigo pediu um café e torradas e continuou:
+ Lembro dos sábados que víamos para pescar, duas horas e meia de trem e ônibus, varas de pecar, aquelas coisas todas.
- Todo sábado era a mesma coisa, aqui mesmo, pegávamos o cardápio e ficávamos escolhendo por uns 20 minutos, sempre bife com fritas,ovos, bacon e refrigerante
+ Depois íamos pescar até o amanhecer lá nas pedras
- E nunca pescávamos nada, ou um peixinho de vez em quando.
+ Mas sentíamos a vida, plantavamos lembranças que hoje estão vivas em nós.
Ele olhou outra vez o mar, a estrada, as gaivotas, os barcos e seus sonhos que ficaram.
- Eu voltei para passar meu resto de tempo aqui
+ Você vai gostar, aqui parece ser tranquilo ainda.
- Espero que seja, estou mais parado do que antes, acho que é a idade.
+ Vai comprar algum imóvel?
- Não, vou alugar, não teria para quem deixar, nunca formei família.
+ Eu compreendo, virei sempre te visitar.
- E os outros como estão?
+Nunca mais tive notícias deles, todos partiram, você sabe cada um busca seu caminho.
Ele tirou do bolso um retrato onde estavam os seis com um enorme peixe pendurado no anzol.
- Este é o único retrato que tenho
+Aquele peixe enorme, rsrs
- Mostro a amigos com quem jogo cartas, xadrez, na praça onde moro e acreditam, não percebem que é  truque de fotografia, que é apenas uma sardinha.
Os dois amigos de outrora riram.
+ Você ainda gosta de assistir filmes?
- Gosto muito.
+ Há tempo não assisto um filme.
- Uma vez assisti a um filme, os homens seguiram em fila indiana pela neve até um determinado local, no bosque aos redores de uma vila, foram perfilados pelos soldados, depois ficaram de joelhos, com olhos fechados e fizeram uma oração, como se rezar adiantasse alguma coisa ali, os tiros ecoaram na escuridão da manhã e o sangue manchou a neve de vermelho, de medos, de sonhos, de inocentes e culpados. Naquele momento me lembrei de Gdánsk.
+ Gdánsk?
- Gdánsk não, me desculpe, Katyn, do massacre de Katyn

Amigo (a) leitor (a), seja sempre bem vindo (a), este conto faz parte da Trilogia Contos da Solidão, se puder leia os outros contos da solidão, de minha autoria, links abaixo, desde já agradeço, muito obrigado mesmo.Basta passar o mouse abaixo dos títulos que o link aparecerá.

 
A QUITANDA

A PARTIDA

sexta-feira, 22 de junho de 2012

TERRA PROMETIDA


Caminharei desacordado pela imensidão branca
Meus anos dourados ficarão largados
Na estrada do deserto que vou atravessar
Sem poder olhar para o horizonte sem cores azuis

Toda vez que olho para o lado vejo seu rosto me iluminar
Toda vez que olho para o céu vejo a vida escondida
Entre as luas que devemos desvendar antes do novo amanhecer
Que será acolhido pela ansiedade de um dia ser feliz

Estou longe dos olhos que purificarão meus sonhos
Talvez chegue a  manhã que o vento litoral sopre no meu deserto
Ouço a gaita tocar a melancolia através do olhar
Escurecido pelo medo de fraquejar durante a caminhada

Meu temor só findará quando eu for adormecido
Na fronteira que abrandará a entrada na terra prometida
Não sei se serei folhagem que nascerá no novo amanhecer
Mas ficarei entristecido enquanto a porta não se abrir para mim

Arnoldo Pimentel

quinta-feira, 14 de junho de 2012

CÉU COBERTO POR FERRUGEM


Ainda nem sabe como será seu futuro
Mas tem que despir o corpo
E entregar-se ao céu

E ver seu próprio inferno
Seu próprio esquecimento
Seus limites e suas correntes

Seu rosto fica escondido
Entre luas
Abraça seu passado dependente
Com seu futuro dependente
O vácuo se hospeda no armário do cotidiano
Da vida que esvai
Vazia
Num eterno suplício
No abraço morto de todos os seus dias

quinta-feira, 7 de junho de 2012

ÁGUAS ONDE NÃO VAGAM MAIS FLORES EM BUSCA DO SOL


Os edifícios ficam bem longe
E daqui não dá pra vê-los
Nem com os olhos fechados

As árvores estão vazias
Assim como as ruas
Nas tardes de inverno

E as pegadas se apagaram
Junto com a neve
Que derreteu

Já é tarde para escrever promessas
Para olhar o fundo do rio
Onde não há mais peixes a serem pescados

Arnoldo Pimentel