Edicões Gambiarra Profana/Folha Cultural Pataxó




"Minha Poesia não usa vestes para se camuflar, é livre e nua" (Arnoldo Pimentel)

"Censurar ninguém se atreverá, meu canto já nasceu livre" (Sérgio Salles-Oigers)

"Gambiarra Profana, poesia sem propriedade privada, livre como a vida, leve como pedra em passeata" (Fabiano Soares da Silva)

"Se eu matar todos os meus demônios, os anjos podem morrer também" (Tenneessee Williams)

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

NO CÉU HAVIA NUVENS




Ela não mora mais ali. O portão verde e a casa, que era grande, não existem mais. Ela gostava de passear pela praia, sempre pela manhã, porque era mais calmo, não tinha tantas pessoas. Quando sentia frio vestia um casaco que ia abaixo dos joelhos. Ela nunca viu o mar. Para passear na praia ficava desenhando no caderno, desenhava o mar, a areia, os sonhos e plainava na sua imaginação. Ela não gostava muito de bonecas, gostava do mar. Ela não tinha bonecas e morava longe, muito longe do mar. Seus irmãos não tinham bolas de futebol, não tinham carrinhos, brincavam no quintal.

- Crianças, todos para o quarto, arrumem a esteira, é hora de dormirem.

Já era tarde, não havia luz, a avó pegou o lampião da sala e levou as quatro crianças para o quarto. Elas abriram a esteira, forraram com lençol e deitaram. A janela ficava sempre aberta em noites quentes ou frescas como aquela. Não havia medo, elas estavam longe do mar, os tubarões vivem no mar. Elas estavam longe da selva, os leões vivem na selva.

- Sua bênção vó – disseram as crianças.
- Deus abençoe – disse a avó.
- Sua bênção tia, sua bênção mãe – gritaram as crianças.
- Deus abençoe – responderam a mãe e a tia lá cozinha, onde conversavam.

As luzes dos prédios são acesas ao anoitecer, é sempre noite.
São as cidades.
São as cidades.

Arnoldo Pimentel

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

PAISAGEM DA LUA



      Eu morei no Brooklyn. Morei um bom tempo no Brooklyn. Tenho muitas fotos dessa época. Fotos das esquinas e com amigos que convivi. As fotos são todas em preto e branco. Gosto de fotos em preto e branco, acho que são mais reais, mesmo sabendo que talvez a realidade seja melhor na paisagem da lua. Tenho fotos de pessoas com sacolas atravessando a rua e fotos nos bares com amigos e nossas cervejas. Às vezes eu ficava perto da ponte, são muitas pontes, mas havia uma ponte diferente, era a ponte sobre as águas na parte do rio perto da curva onde enterram corações, onde enterram histórias e astronautas doidões. De um lado do rio ficava a estação de trem, parecia a estação onde se tocava gaita, de tão isolada que era. Do outro lado ficava a parada do ônibus que partia às cinco da manhã para Manhattan e só retornava as sete da noite. A parada do ônibus ficava na porta do bar onde eu e meus amigos bebíamos nossa cerveja ouvindo Joan Baez e declamando poesia. Numa noite dois parceiros cantaram uma música de autoria deles:  "Ela é minha Joa Baez, Eu sou Bob Dylan dela". É a última lembrança que tenho do bar na parada do ônibus, do tempo que eu não sei se volta mais.
       Eu morei no Brooklyn tantas vezes que nem lembro mais. Ainda passeio por lá algumas vezes, mas não tiro mais fotos, agora é tudo em cores e as fotos não são reais.

Arnoldo Pimentel